A disputa pelo Palácio do Planalto em 2026 promete repetir a polarização que tem dominado o cenário político brasileiro desde 2018, com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o bolsonarismo ocupando as pontas opostas do espectro ideológico. No entanto, setores do centro político intensificam articulações para tentar viabilizar uma alternativa à esquerda e à direita.
Neste contexto, o ex-presidente Michel Temer (MDB) convidou o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), para integrar um movimento que visa construir uma candidatura de “terceira via” com apelo eleitoral, base programática e capilaridade nacional.
A aproximação entre Temer e Zema revela o esforço de quadros políticos experientes e de parte do empresariado em reeditar uma estratégia que fracassou em 2022, mas que pode ganhar novo fôlego diante do desgaste dos polos tradicionais. A aposta é reunir partidos de centro, como MDB, PSDB, União Brasil e Cidadania, e lideranças com perfil técnico, discurso liberal e capacidade de diálogo, como Zema, que governa o segundo maior colégio eleitoral do país.
A interlocução ainda está em fase embrionária, mas sinaliza que as forças moderadas querem começar cedo a construção de uma candidatura competitiva, evitando os erros de improviso que marcaram o último pleito. O movimento é visto com simpatia por setores da economia, da imprensa e da sociedade civil que desejam superar o clima de confronto permanente instaurado no país.
O papel de Michel Temer como articulador
Michel Temer, que presidiu o país entre 2016 e 2018 após o impeachment de Dilma Rousseff, mantém influência considerável nos bastidores da política nacional. Reservado, mas habilidoso, o emedebista tem se reunido com lideranças partidárias, empresários e figuras do Judiciário com o objetivo de fomentar uma candidatura centrista em 2026. A escolha de Zema como possível representante desse projeto não é aleatória: além de ser governador de um estado estratégico, Zema tem imagem de gestor austero, discurso moderado e pouca rejeição.
Temer avalia que a terceira via em 2022 naufragou por falta de unidade e por erros de comunicação. “Faltou convergência. Cada partido apostou em um nome próprio e o tempo foi passando. Agora, é hora de construir com antecedência e com foco”, teria dito em uma das reuniões, segundo interlocutores próximos.
O ex-presidente também acredita que o cenário atual, marcado pela perda de prestígio de Jair Bolsonaro (inelegível e pressionado por investigações) e pelo desgaste do governo Lula, abre uma brecha para que um nome novo e de centro se viabilize. Zema, na avaliação de Temer, reúne credenciais técnicas e simbólicas para esse desafio.
Romeu Zema: de mineiro discreto a presidenciável
Romeu Zema foi eleito governador de Minas Gerais em 2018 na esteira da onda bolsonarista, mas manteve-se distante da retórica ideológica. Empresário do setor varejista, com perfil pragmático e discurso técnico, Zema reelegeu-se em 2022 com ampla vantagem, vencendo no primeiro turno com quase 57% dos votos. Desde então, seu nome tem circulado em conversas sobre a sucessão presidencial, embora ele evite confirmar qualquer ambição nacional.
Ao ser questionado sobre o convite de Temer, Zema desconversou: “Neste momento, estou totalmente focado em Minas. Temos muito a fazer ainda. Mas estou sempre aberto a conversas que envolvam o futuro do Brasil”. A resposta mantém o estilo cauteloso do governador, mas não nega a possibilidade.
Internamente, assessores e aliados de Zema admitem que a ideia de uma candidatura presidencial está no radar. Sua popularidade em Minas, seu desempenho eleitoral expressivo e sua baixa rejeição em pesquisas qualitativas o colocam como um nome “viável e testado”. A principal dúvida é se ele conseguirá ampliar seu alcance fora do estado e construir uma base partidária sólida.
Desafios do Novo e o dilema partidário
Um dos entraves para a possível candidatura de Zema é o seu partido. O Novo, legenda que se apresenta como liberal e independente, tem hoje pouca estrutura nacional e enfrenta uma crise de identidade após a saída de figuras como João Amoêdo e a derrota de nomes importantes em 2022. A legenda elegeu apenas três deputados federais e tem presença marginal no Senado.
Zema é hoje o principal ativo político do Novo, mas sabe que dificilmente conseguirá disputar a Presidência apenas com a legenda. Por isso, a entrada em um movimento mais amplo, que una MDB, PSDB e União Brasil, poderia viabilizar sua candidatura. Esse movimento exigiria, contudo, diálogo, concessões e possível mudança de partido — algo que está sendo avaliado com cautela.
A eventual migração de Zema para um partido maior — como o MDB — teria implicações práticas e simbólicas. De um lado, lhe daria capilaridade e tempo de TV; de outro, poderia afetar sua imagem de político outsider e independente. O dilema é real e está no centro das discussões.
MDB, PSDB e União Brasil: os atores da moderação
Além de Zema, o movimento articulado por Temer mira a união de legendas que tradicionalmente orbitam o centro político. O MDB, mesmo enfraquecido, ainda tem presença em todo o país e uma estrutura robusta. O PSDB tenta se reerguer após derrotas acachapantes, mas ainda controla governos importantes como o do Rio Grande do Sul. O União Brasil, por sua vez, nasceu da fusão de DEM e PSL e reúne caciques experientes, além de expressiva bancada federal.
A ideia é que essas legendas abandonem projetos isolados e converjam em torno de um nome com viabilidade eleitoral, apoio empresarial e discurso pacificador. Além de Zema, outros nomes são mencionados em conversas internas: a senadora Simone Tebet (MDB), o governador Eduardo Leite (PSDB) e o ex-ministro Henrique Meirelles. No entanto, todos enfrentam obstáculos — sejam eles de rejeição, ausência de base ou falta de entusiasmo popular.
Nesse cenário, Zema desponta como uma “novidade possível” — alguém que combina trajetória limpa, bom desempenho em gestão estadual e discurso conciliador.
O apoio do mercado e da sociedade civil
O movimento de terceira via também tem encontrado ressonância entre representantes do setor produtivo e da sociedade civil. Empresários, economistas e líderes de think tanks têm defendido publicamente a necessidade de romper com a polarização e de retomar um projeto de país baseado em responsabilidade fiscal, modernização do Estado e defesa da democracia.
Instituições como o Instituto Millenium, o CLP (Centro de Liderança Pública) e o movimento Livres têm intensificado debates e encontros com lideranças políticas. A expectativa é construir uma agenda mínima comum que sirva de base para o programa de governo da nova candidatura.
Zema é bem-visto por esses grupos por sua postura reformista e pela condução fiscal em Minas, onde conseguiu avançar no ajuste das contas públicas, ainda que enfrente críticas por limitações em áreas como educação e meio ambiente.
Lula e Bolsonaro: os polos ainda fortes
Apesar dos esforços pelo centro, o cenário de polarização segue forte. Lula mantém apoio sólido em setores populares e do funcionalismo público, além de ter a máquina federal a seu favor. Bolsonaro, mesmo inelegível, ainda lidera pesquisas entre a direita e mobiliza milhões de apoiadores nas redes sociais e nas ruas.
A terceira via, portanto, precisará conquistar um eleitorado cansado da polarização, mas ainda fiel aos seus líderes. Esse eleitorado está majoritariamente no Sudeste e no Sul, tem perfil urbano e rejeita tanto o autoritarismo de Bolsonaro quanto o intervencionismo petista.
A tarefa não será fácil, mas analistas acreditam que o cansaço com a radicalização pode abrir espaço para um nome que ofereça estabilidade, previsibilidade e diálogo — atributos que Zema tenta cultivar.
Conclusão
O convite de Michel Temer a Romeu Zema para integrar um movimento de terceira via é mais do que um gesto simbólico: é a tentativa concreta de articular uma candidatura viável e moderada para 2026. Em meio à exaustão provocada pela polarização entre Lula e Bolsonaro, cresce o apelo por uma alternativa que represente equilíbrio, gestão eficiente e compromisso democrático.
Zema, com seu perfil técnico e trajetória política ascendente, surge como um dos nomes mais promissores nesse campo. Mas para que sua candidatura se viabilize, será necessário superar desafios importantes: definir sua posição partidária, conquistar apoio fora de Minas e manter sua imagem de independência em um ambiente político repleto de armadilhas.
O centro político brasileiro, historicamente fragmentado, tem agora uma nova chance de se reorganizar. O tempo é curto, mas as conversas começaram cedo. Se conseguirem encontrar unidade e projeto, Temer e Zema podem liderar um novo capítulo na política nacional — um que transcenda os extremos e recupere a capacidade de diálogo no país.