A recente doação do acervo do renomado arquiteto e urbanista Lucio Costa para a Casa da Arquitectura, em Portugal, tem gerado debates intensos entre os profissionais de arquitetura do Distrito Federal. Composto por aproximadamente 3 mil documentos, incluindo plantas, esboços, correspondências, fotografias e publicações, esse conjunto documental representa uma parcela significativa da história da arquitetura e do urbanismo brasileiros.
Enquanto alguns especialistas defendem a medida como essencial para a preservação do legado de Lucio Costa, outros expressam preocupação com a possível alienação da memória cultural brasileira.
Contexto da Doação
Em outubro de 2021, a família de Lucio Costa decidiu doar o acervo do arquiteto para a Casa da Arquitectura, instituição sediada em Matosinhos, Portugal. Essa decisão foi motivada pela busca de uma entidade capaz de garantir a conservação e a divulgação adequada do material, assegurando que as futuras gerações tenham acesso ao legado de Lucio Costa.
A Casa da Arquitectura já havia recebido, em 2020, o acervo completo do também renomado arquiteto brasileiro Paulo Mendes da Rocha, demonstrando experiência na gestão de patrimônios documentais de grande relevância.
Reações dos Arquitetos do Distrito Federal
A comunidade de arquitetos do Distrito Federal tem manifestado opiniões divergentes em relação à doação. Para alguns profissionais, a transferência do acervo para Portugal é vista como uma medida necessária para garantir a preservação dos documentos, considerando os desafios enfrentados por instituições brasileiras em termos de recursos e infraestrutura adequados para a conservação de materiais históricos.
Esses especialistas argumentam que, em solo português, o acervo receberá o cuidado e a atenção necessários para sua longevidade.
Por outro lado, há arquitetos que expressam preocupação com a perda de parte significativa da memória cultural brasileira. Eles argumentam que o acervo de Lucio Costa possui um valor inestimável para a compreensão da história e da identidade arquitetônica do país, especialmente no que tange à concepção e construção de Brasília, a capital federal. Para esses profissionais, a permanência do acervo em território nacional seria fundamental para manter viva a conexão entre a obra de Lucio Costa e o povo brasileiro.
Acordo de Cooperação para Compartilhamento Digital
Em resposta às preocupações levantadas, o Governo do Distrito Federal (GDF) e a Casa da Arquitectura firmaram, em fevereiro de 2025, um acordo de cooperação técnica visando ao compartilhamento do acervo digital de Lucio Costa. Esse acordo tem como objetivo permitir a disseminação e preservação dos documentos essenciais à história do urbanista, garantindo que o público brasileiro tenha acesso ao conteúdo digitalizado do acervo.
A iniciativa busca equilibrar a necessidade de preservação física dos documentos com a acessibilidade e a manutenção da memória cultural no Brasil.
Importância do Acervo de Lucio Costa
Lucio Costa (1902-1998) foi uma figura central na arquitetura e no urbanismo brasileiros, sendo o principal responsável pelo projeto do Plano Piloto de Brasília, cidade que se tornou um marco do modernismo no país. Seu acervo inclui uma vasta gama de documentos que abrangem desde correspondências pessoais e profissionais até plantas e esboços de projetos icônicos.
A preservação e o estudo desse material são fundamentais para a compreensão da evolução da arquitetura moderna no Brasil e para inspirar futuras gerações de profissionais.
Desafios na Preservação de Acervos Arquitetônicos no Brasil
A decisão de doar o acervo de Lucio Costa para uma instituição estrangeira também traz à tona questões relacionadas aos desafios enfrentados pelo Brasil na preservação de patrimônios documentais.
Desafios na Preservação de Acervos Arquitetônicos no Brasil
A decisão de doar o acervo de Lucio Costa para uma instituição estrangeira também traz à tona questões relacionadas aos desafios enfrentados pelo Brasil na preservação de patrimônios documentais.
O país possui diversas instituições dedicadas à conservação da memória arquitetônica, como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Arquivo Nacional, mas essas entidades frequentemente enfrentam dificuldades financeiras, falta de estrutura adequada e burocracias que dificultam a manutenção e digitalização de documentos históricos.
O risco de deterioração de acervos devido ao clima, à umidade e à falta de investimentos em conservação é uma preocupação constante. Nesse sentido, a Casa da Arquitectura, em Portugal, oferece um ambiente mais estável para a guarda e manutenção dos documentos de Lucio Costa, contando com infraestrutura de ponta para a preservação de materiais históricos.
Impacto para o Brasil e o Futuro da Pesquisa sobre Lucio Costa
Embora o acordo de cooperação para compartilhamento digital amenize parte das preocupações sobre a perda do acervo, ainda resta a questão simbólica e cultural da ausência dos documentos originais no Brasil. A materialidade dos arquivos tem um significado importante para pesquisadores, arquitetos e historiadores, que perdem a possibilidade de contato direto com os documentos originais.
Além disso, a doação do acervo para Portugal pode abrir precedentes para que outros acervos de grande relevância para o Brasil sejam transferidos para instituições estrangeiras, caso não haja investimentos e políticas públicas voltadas à preservação do patrimônio cultural e arquitetônico nacional.
Conclusão
A doação do acervo de Lucio Costa para Portugal representa um dilema para arquitetos e pesquisadores brasileiros. Se, por um lado, a medida garante a preservação dos documentos, por outro, levanta preocupações sobre a perda da memória histórica e cultural do urbanista para o Brasil. O acordo de compartilhamento digital pode minimizar esses impactos, mas não substitui a importância da presença física dos documentos no país.
A questão reforça a necessidade de mais investimentos em preservação e valorização do patrimônio arquitetônico no Brasil, garantindo que acervos de figuras fundamentais para a história do país permaneçam acessíveis às futuras gerações. A transferência de documentos para o exterior pode ser uma solução em termos de conservação, mas também deve servir de alerta para a urgência de políticas mais eficazes de proteção da memória nacional.