Como agia um dos maiores ladrões de caixas eletrônicos do país
Durante anos, as madrugadas de cidades do interior brasileiro foram marcadas por explosões repentinas, fumaça densa e alarmes disparando ao longe. Em questão de minutos, caixas eletrônicos eram destruídos, cofres violados e quadrilhas desapareciam como fantasmas. À frente de várias dessas operações estava um homem cuja identidade permaneceu oculta por muito tempo. Conhecido apenas como “Professor”, ele foi apontado por investigações da Polícia Federal como um dos maiores ladrões de caixas eletrônicos do Brasil.
Com atuação sofisticada, conhecimento técnico elevado e uma rede criminosa interestadual, o Professor se tornou uma figura lendária — tanto entre criminosos quanto nas páginas de relatórios sigilosos das forças de segurança. Sua história é um retrato sombrio da evolução do crime organizado no país, marcado por ousadia, tecnologia e planejamento meticuloso.
A origem do “Professor”: da vida comum ao comando de uma rede criminosa
O apelido não era casual. Diferente de outros criminosos de sua geração, o Professor tinha formação técnica em eletrônica e chegou a atuar como consultor de segurança para empresas de pequeno porte. No entanto, a promessa de lucros rápidos e altos valores em dinheiro vivo nos caixas eletrônicos acabou seduzindo sua ambição.
Inicialmente, sua participação se restringia ao suporte técnico de grupos que já atuavam em assaltos a bancos. Ele era o responsável por desativar alarmes, estudar esquemas de proteção e orientar como agir diante dos novos sistemas de segurança adotados pelos bancos a partir da década de 2010. Com o tempo, passou a comandar sua própria organização.
O modus operandi: precisão técnica e operações relâmpago
O sucesso do Professor se deve, em grande parte, à sua metodologia quase militar. Ele desenvolveu um verdadeiro manual do assalto eficiente, com etapas rigorosamente seguidas por suas equipes. Tudo começava com o estudo da agência bancária alvo. Usando informações de satélite, registros de internet, e até coletas no local por falsos clientes, ele montava um dossiê detalhado com os pontos fracos da estrutura.
Antes do ataque, os criminosos faziam reconhecimento por vários dias. Câmeras de vigilância eram neutralizadas com sprays ou bloqueadores de sinal. Os roteiros de fuga eram testados com carros clonados. Até o tempo de resposta da polícia era cronometrado.
O ataque em si não durava mais de cinco minutos. Com o uso de explosivos plásticos como C-4 ou emulsões caseiras de alta potência, os caixas eram destruídos com precisão cirúrgica. Muitas vezes, nem todo o cofre era danificado, mas apenas a parte do compartimento que guardava as cédulas.
A engenharia da fuga: carros blindados e estradas de terra
Fugir da cena do crime era tão importante quanto executá-lo. O Professor estruturava rotas alternativas por estradas rurais e mantinha veículos escondidos em propriedades afastadas. Em alguns casos, chegou a usar drones para monitorar movimentações policiais em tempo real. Essa engenharia da fuga incluía ainda uso de rádios digitais criptografados, celulares descartáveis e até uso de calçados especiais para não deixar rastros.
Em ataques mais sofisticados, ele envolvia moradores da cidade como reféns, usava armamento pesado e criava verdadeiros cordões de isolamento para impedir a aproximação da polícia — uma tática que passou a ser adotada por outros grupos após o sucesso de suas operações.
A conexão interestadual e os “franqueados” do crime
O Professor não atuava sozinho. Ao longo dos anos, ele criou uma rede de ramificações em diferentes estados, especialmente no Norte e Nordeste do Brasil. Era uma espécie de “franquia do crime”: ele fornecia o know-how, os equipamentos, parte da logística, e os grupos locais executavam as ações, repassando uma porcentagem do lucro.
Essa descentralização dificultava o trabalho das autoridades, pois nem sempre era possível estabelecer a ligação direta entre o Professor e os crimes. Quando um grupo era preso, ele já havia desaparecido, pronto para montar outra célula em outro estado.
O declínio: como a tecnologia e a cooperação policial encurtaram a vida útil do esquema
O que começou como um império quase intocável começou a ruir por conta de dois fatores principais: a evolução tecnológica dos próprios bancos e a criação de forças-tarefa interinstitucionais entre Polícia Federal, Polícia Civil e inteligência financeira.
Com a adoção de caixas eletrônicos com tinta colorante, sistemas de GPS em cédulas e gravações internas com redundância em nuvem, os assaltos passaram a render menos e a oferecer mais riscos. Além disso, o uso de softwares analíticos para rastreamento de transações financeiras, cruzamento de informações e escutas autorizadas passou a permitir que os investigadores antecedessem os ataques.
O cerco se fechou após a identificação de um celular utilizado por um dos operadores do Professor. A partir dele, foi possível mapear parte da rede, interceptar comunicações e executar prisões em cadeia. O Professor foi preso em 2022, em uma operação coordenada em três estados.
O impacto social e psicológico das ações
As cidades atacadas pelo grupo do Professor não sofriam apenas perdas financeiras. Em muitas delas, a destruição de agências bancárias comprometeu o acesso da população a serviços essenciais, especialmente em municípios com apenas uma unidade bancária. Idosos, aposentados e beneficiários de programas sociais ficaram semanas sem poder sacar dinheiro ou pagar contas.
Além disso, os ataques geravam sensação de pânico e impotência. Em algumas ocasiões, os criminosos utilizavam explosivos com tamanha potência que imóveis vizinhos foram danificados. O medo constante de novos ataques chegou a levar moradores a dormir fora de casa.
A romantização do crime e o desafio da comunicação pública
Um efeito colateral da fama do Professor foi a glamurização do crime entre jovens de regiões periféricas. Sua imagem de “bandido inteligente”, que não matava e que desafiava o sistema bancário, acabou sendo romantizada em redes sociais, músicas e até grafites.
Esse fenômeno acendeu um alerta nas instituições de segurança pública e educadores. O desafio passou a ser mostrar que, por trás da “inteligência” criminosa, havia destruição, sofrimento e, invariavelmente, a prisão. Iniciativas de conscientização em escolas e campanhas de mídia buscaram desconstruir esse mito.
A herança deixada: lições para o sistema de segurança e para o crime
Mesmo após sua prisão, o legado técnico do Professor continua influenciando novos criminosos. Seus métodos passaram a ser estudados por analistas de segurança bancária e utilizados como exemplo em cursos de formação de investigadores.
Por outro lado, sua trajetória também impulsionou melhorias nos sistemas de proteção, tornando os caixas eletrônicos mais seguros e as ações criminosas mais difíceis de executar. Em muitos sentidos, o Professor foi tanto um sintoma quanto um catalisador de mudanças na segurança bancária brasileira.
Conclusão
A história do Professor, o maior ladrão de caixas eletrônicos do país, é uma síntese de como o crime organizado pode evoluir com sofisticação técnica, aproveitando-se de falhas sistêmicas e da lentidão de adaptação institucional. Sua ascensão e queda revelam tanto a fragilidade do sistema bancário no Brasil quanto a força da articulação entre inteligência policial e inovação tecnológica.
Mais do que um criminoso, o Professor foi um sinal de alerta para o Estado, a sociedade e as instituições financeiras. Ele mostrou que, enquanto houver brechas — sejam tecnológicas, sociais ou jurídicas —, haverá quem as explore com precisão quase cirúrgica. Combater esse tipo de ameaça exige mais do que força: requer estratégia, integração e, acima de tudo, antecipação.