Saiba quais os próximos passos da ação contra Bolsonaro após citação no hospital
A citação judicial de Jair Bolsonaro no Hospital Vila Nova Star, em São Paulo, no início de abril de 2025, marcou mais do que uma formalidade jurídica: representou o fim de uma fase preliminar e o início de um novo capítulo na ação que investiga seu envolvimento na tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. O ex-presidente, até então estrategicamente silencioso e envolto em uma retórica de vítima de perseguição política, agora precisa se posicionar formalmente no processo.
O episódio da citação hospitalar gerou repercussão política imediata, mas o que se desenha a partir de agora é ainda mais relevante: um itinerário jurídico que pode culminar em um julgamento histórico, com impactos diretos sobre sua elegibilidade, sua liberdade e o futuro da extrema-direita brasileira.
Neste texto, analisamos os próximos passos da ação, os caminhos possíveis no Supremo Tribunal Federal (STF) e os bastidores do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, que têm protagonizado um dos inquéritos mais complexos desde a redemocratização do país.
A citação: um rito com peso político
Juridicamente, a citação é o momento em que o investigado toma ciência formal de que está sendo processado e deve apresentar defesa. No caso de Jair Bolsonaro, isso ocorreu em um contexto incomum: hospitalizado para um procedimento urológico, o ex-presidente foi citado por oficiais de Justiça no quarto do hospital, conforme autorizado pelo STF.
O procedimento, embora rotineiro no meio jurídico, foi politicamente interpretado por aliados de Bolsonaro como um ato “desumano” e de “perseguição”. No entanto, a decisão do ministro Alexandre de Moraes — relator do inquérito — seguiu critérios técnicos, já que não havia impedimento médico para o ato formal, tampouco justificativa plausível para adiamento.
A partir da citação, o relógio processual começa a correr: Bolsonaro terá prazo para apresentar defesa prévia e indicar testemunhas. Mais do que isso, será incluído em todos os desdobramentos oficiais do inquérito, inclusive audiências e acareações.
O avanço da investigação: novas provas e conexões
Com a citação efetivada, a Polícia Federal poderá consolidar o relatório final sobre o envolvimento de Bolsonaro em articulações para descredibilizar o sistema eleitoral, insuflar atos golpistas e tentar reverter o resultado das urnas de 2022.
O inquérito tem como base:
Trocas de mensagens e reuniões entre Bolsonaro, militares e ex-ministros;
Declarações públicas e postagens em redes sociais que contestaram o resultado eleitoral sem provas;
Documentos internos da Presidência da República que indicavam preparação para decretos de exceção;
Depoimentos de aliados próximos, incluindo ex-ministros, que passaram a colaborar com as investigações.
Além disso, há a análise da minuta do decreto de GLO (Garantia da Lei e da Ordem), apreendida na casa do ex-ministro Anderson Torres, que previa a anulação do processo eleitoral e a intervenção no TSE. A PF considera que Bolsonaro não só tinha conhecimento do plano como também deu aval informal para sua formulação.
Os próximos passos jurídicos: do contraditório ao possível oferecimento de denúncia
Agora que Bolsonaro foi citado, o processo entra na fase de apresentação da defesa prévia, que deverá ser encaminhada por seus advogados ao STF. Nessa etapa, ele pode:
Contestar elementos do inquérito;
Apresentar argumentos técnicos e jurídicos de defesa;
Apontar nulidades processuais;
Indicar testemunhas e requerer diligências complementares.
Após a manifestação da defesa, caberá à Procuradoria-Geral da República (PGR) decidir pelo oferecimento de denúncia formal, caso entenda que há indícios suficientes de crime. A denúncia pode abranger:
Tentativa de golpe de Estado (Art. 359-M do Código Penal);
Associação criminosa;
Incitação ao crime;
Violação dos princípios constitucionais da democracia e da legalidade.
Se a denúncia for recebida pelo STF, Bolsonaro passará a ser réu, o que abrirá caminho para a instrução processual, com coleta de provas, oitivas e, por fim, julgamento.
O STF no centro do processo: os olhos do Brasil sobre a Corte
O Supremo Tribunal Federal tem sido alvo constante de ataques por parte de Bolsonaro e seus aliados desde antes das eleições de 2022. Com a iminência de uma denúncia e possível julgamento, a Corte terá o desafio de reafirmar seu papel institucional, evitando contaminação política e assegurando o devido processo legal.
Ministros como Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso têm reiterado publicamente que o STF não persegue políticos, mas aplica a Constituição. Nos bastidores, há consenso de que o caso de Bolsonaro pode se tornar o julgamento mais emblemático desde o mensalão, não apenas pelo réu, mas pelo simbolismo institucional.
O fator eleitoral: inelegibilidade em pauta
Embora Jair Bolsonaro já tenha sido declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2023, em decorrência do uso indevido da estrutura do Estado para questionar o processo eleitoral, uma eventual condenação no STF em ação penal pode aprofundar sua inaptidão política.
Caso se torne réu e venha a ser condenado, Bolsonaro poderá:
Permanecer inelegível por tempo superior a 8 anos, dependendo da pena imposta;
Cumprir pena em regime fechado, caso o STF entenda haver gravidade concreta nos atos praticados;
Perder direitos políticos por tempo indeterminado, se for reconhecida a prática de crime contra o Estado Democrático de Direito.
Esses fatores tornam o processo não apenas jurídico, mas de enorme relevância política, uma vez que Bolsonaro ainda é a principal figura de mobilização da direita radical no Brasil.
A reação dos aliados: silêncio estratégico e discurso de martírio
Desde a citação no hospital, o entorno político de Bolsonaro tem adotado uma estratégia de contenção. Parlamentares próximos, como os senadores Flávio Bolsonaro e Rogério Marinho, passaram a evitar declarações mais incisivas. Internamente, a ordem no PL (Partido Liberal) é blindar a imagem do ex-presidente e manter as bases mobilizadas com a narrativa de que ele está sendo injustiçado.
O uso da citação hospitalar como símbolo de “crueldade judicial” vem sendo explorado nas redes sociais e em discursos em eventos conservadores. A ideia é reforçar a percepção de que Bolsonaro sofre perseguição por ser “o único a enfrentar o sistema”.
No entanto, a estratégia tem encontrado limitações. A perda de popularidade, a dificuldade em manter alianças e o avanço do processo judicial enfraquecem o discurso da “vítima do sistema” e colocam pressão sobre o grupo político que ainda orbita ao redor do ex-presidente.
O papel da sociedade e da mídia: vigilância democrática em ação
Um dos aspectos mais relevantes desse processo é o papel da sociedade civil e da imprensa. Desde os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, cresceu no país a percepção sobre a importância de instituições fortes, da separação entre os Poderes e da responsabilização de lideranças públicas.
A ação contra Bolsonaro se dá sob ampla cobertura midiática, com análises jurídicas, entrevistas com especialistas e divulgação contínua dos passos do inquérito. Essa transparência é fundamental para evitar distorções narrativas e garantir que a opinião pública compreenda a gravidade dos atos sob investigação.
Possibilidades de desfecho: o que pode acontecer nos próximos meses?
O caminho da ação ainda pode tomar diferentes rumos, dependendo de fatores jurídicos, políticos e até de saúde do ex-presidente. Entre os cenários possíveis, estão:
Arquivamento do inquérito: improvável, mas possível, caso a PGR entenda que não há provas suficientes;
Oferecimento de denúncia e rejeição pelo STF: caso os ministros considerem que os elementos apresentados não configuram crime;
Recebimento da denúncia e abertura de ação penal: cenário mais provável no atual estágio;
Condenação e prisão: a depender da robustez das provas e do entendimento da Corte;
Absolvição: se não forem confirmadas as acusações durante o processo.
O tempo estimado para essas etapas pode variar, mas especialistas projetam que a decisão sobre o recebimento da denúncia deve ocorrer ainda em 2025, com julgamento possivelmente em 2026.
Conclusão
A citação de Jair Bolsonaro no hospital foi apenas o prelúdio de um processo que promete marcar a história política e jurídica do Brasil. A ação que investiga a tentativa de golpe após as eleições de 2022 avança com indícios sólidos, atenção institucional e cobertura midiática ampla. Os próximos passos — defesa, possível denúncia, julgamento — definirão não apenas o futuro do ex-presidente, mas também os contornos da democracia brasileira no pós-bolsonarismo.
Em um país que ainda lida com cicatrizes institucionais recentes, a condução firme, transparente e imparcial do processo será determinante para fortalecer a confiança da população nas instituições e sinalizar que nem mesmo os mais altos cargos estão acima da lei.